Poesia com a qual nossa prenda do mês Dominicke Marca sagrou-se Campeã Brasileira de Declamação Prenda Adulta (9º FENART – Pato Branco/PR).
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Os olhos nem se cruzaram
desde a saída pra lida...
Um vinha mais que montado
num baio que era um colosso,
O outro vinha num trono,
enforquilhado no mouro.
Dia longo, sol ardendo,
légua e pico, campo vasto...
Enfim o final de tarde e a
volta mansa pras casas.
Num repente o do baio cravou
as esporas e deu-lhe boca!
O outro, por ligeiro, já cutucou
num puaço o mouro que
vinha quieto.
Poeira comendo floxa,
gritedo ecoando longe!
Pata que pata os cavalos!
Relho que relho os gaúchos!
Carreira sem pretensão,
Sem cismas de cancha reta...
Uma carreira de campo,
Conforme disse um poeta.
Carreira dessas parelhas
Corrida por dois iguais...
Dois índios de campo e lida
Com almas de temporais.
Mas havia no caminho uma
toca de mulita...
Houve uma toca, uma pata
enfiada, um mouro rodado,
um pescoço quebrado,
Uma moça viúva, dois
piazitos órfãos e um velório
às pressas.
Houve sim, mas e por quê?
Por que a carreira, por quê?
Nem mesmo o moço do baio
Ao certo soube dizer.
Por que se calou de soco
Quem tinha muito a viver?
Por que se calou, por quê?
Por entre o pranto de todos,
Em vez do moço do mouro
Jazia apenas um corpo
Já sem estrelas no olhar.
Ao lado os Caveiras sorriam
com suas caras brancas,
Estranhos feito um palhaço
dançando dentro de um vaso.
Só eles sabiam bem...
Só eles tinham a voz;
Sabiam cada segundo
Da hora de todos nós.
Sabiam quem tinha a foice
Afiada, à mão de ceifar...
Sabiam o tempo exato
Que a foice cortava o ar!
Os Caveiras se esbaldavam...
Sorriam suas caras feias
De um jeito devastador.
Talvez lembrando o momento
Em que um deles se achegou se
engarupando no baio
E soprou ao pé do ouvido
do que se achava montado:
“-Crava as esporas e azula!”
E assim foi que aconteceu.
Talvez lembrando o momento
em que o outro, sussurrante,
Chegou pra o hoje finado,
e disse: “-Corre de atrás!”
E o moço, por bem mandado,
correu de atrás... ...e morreu.
Se divertiam assim...
Assim era que passavam.
De vez em quando nos rios,
nos açudes mais traiçoeiros,
Nos arroios mais covardes,
chegavam pra gurizada,
Como não querendo nada: ”
- Mas tchê, que baita calor!!”
O suficiente já era...
Em dez ou quinze minutos,
meia dúzia de afogados
Pra aumentar sua coleção.
As palavras dos Caveiras
(Com suas sílabas traiçoeiras)
Eram o engodo da morte.
Tantas feitas sucedidas com
feições inusitadas...
Tantas coisas escondidas
em histórias mal contadas;
Os Caveiras eram praga
pairando por esta terra;
Se já aprontavam na paz,
se deliciavam na guerra.
Trinta e cinco foi assim,
paraíso pra os Caveiras
Que ponteavam cada
carga com suas frases derradeiras;
Noventa e três, tempos brabos...
Eles chegaram gabolas...
Lavaram as caras brancas
no sangue ruim das degolas!
E assim foi por tanto tempo...
Em cada revolução...
Em cada fio de vingança
Do cornudo da ocasião.
Em cada trago de canha
Das peleias de bolicho,
Estavam sempre os Caveiras
Com seus medonhos cochichos.
Era o engodo da morte
Satisfazendo os caprichos.
Sei que a morte não é o fim,
Mas precisa ser assim?
Derrubados pelo engodo
Com palavras de festim?
Cadê a seqüência das coisas?
Cadê os ciclos naturais?
Pior que a morte de um filho
Só mesmo a dor de seus pais...
Não tem a mão do destino
Nessas piadas fatais!
Ouço uma voz murmurante
acariciar meu ouvido,
Enleiando os pensamentos
em cada duplo sentido...
Talvez me leve por diante,
talvez me arraste no estribo.
Quem sabe são os Caveiras,
sorrindo em suas caras brancas,
Trazendo o engodo da morte,
cobrando a vida sem prazo...
Estranhos feito um palhaço
dançando dentro de um vaso!
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